sábado, 4 de abril de 2009

Pequenas Histórias




Marcha no Deserto;

Fazia calor na tenda de lona. Para ajudar a ambiente quente e seco a luz era filtrada pelo tecido grosseiro branco sujo que criava tons quentes. As paredes da tenda abanavam ocasionalmente com o vento e este fazia com que pequenos grãos de areia embatessem na lona.
Era hora de levantar. Já soara o despertar. Lá fora a correria começava. Por vezes ouvia-se algum oficial a gritar ordens. Mas era tudo abafado pelo som de tachos, motores a aquecer, peças de metal a embaterem, juntas a chiarem, passos lentos e passos de pessoas a correr.

Ao sair da tenda deparei-me com um cenário fervilhante, embora fosse-mos uma coluna pequena. Abotoei rápido a túnica e ajeitei a gola. Era cedo mas já estava a transpirar. Sentia as mãos suadas. Fui ter com o oficial de campo, perguntei-lhe que havia para fazer, mandou-me supervisionar os rapazes que estavam a carregar os caixotes de munições, no outro lado do acampamento.
Enquanto caminhava na direcção dos camiões sentia as pedras a dificultarem-me o andar. Sentia as pernas e os ombros a arder de calor. e quando inspirava o ar quente queimava-me as narinas, pareciam estar em carne viva por dentro. Passei pela coluna blindada. O barulho era ensurdecedor e o ar estava cinzento do fumo que saída dos escapes. Vi-me obrigado a tapar a cara com o boné para não me entalar com o fumo. O pessoal dos blindados corria de um lado para o outro, uns com bidões de diesel, outros com correias e chaves inglesas.
Ouvi uma porta a chiar e bater pesadamente atrás de mim, olhei e vi o Heinkl a limpar as mãos cobertas de óleo. Também me tinha visto. "bom dia, já te deram trabalho?", "que remédio, vou tomar conta das munições. Sabes para onde vamos hoje?", à minha volta ouvia motores e peças metálicas, "nem por isso, mas andam por aí a dizer que vamos para perto do Cairo, mas não sei, ainda estamos longe. Pelo menos duvido." Duas motorizadas passaram em marcha lenta por mim, contudo conseguiram levantar uma poeira fina amarelada, instintivamente semicerrei os olhos. "Bem, la vou eu...a ver se nos dizem alguma coisa, vemos-nos já" "te já".


Á minha frente estavam os camiões, cobertos de pó. Emanavam um cheiro a óleo, lembrava o cheiro das antigas estações de caminho de ferro. Ao lado estavam algumas caixas empilhadas e um grupo de soldados a conversar. Saudei-os. Imediatamente endireitaram-se e saudaram-me também. "Como vai isso?", "só faltam estas caixas meu tenente, coisa pa meia horita" "então vamos lá despachar isto". Á medida que enchiam um camião, este arrancava e dava lugar a outro. Cada vez havia mais poeira no ar. Não só pelos carros que iam e vinham, mas tinha-se levantado um vento que levantara quantidades obscenas de areia.
Demorou cerca de três horas a levantar o acampamento e a coluna formara-se.
Quando já estava tudo pronto fomos ordenados a formar. O vento acalmara, mas era agora constante e irritante. De óculos de protecção e visor na cabeça aproximou-se o General. Num tom informal disse-nos que a próxima paragem iria ser a mais difícil do trajecto. De facto, era hora de acção. A Norte de onde nos encontramos estava Tobruk. Ao fim do dia de hoje iremos cercar a pequena península. Não vamos sozinhos, juntar-se-ão a nós mais duas divisões de blindados.
Amanha Tobruk é nosso, e vamos estar mais um passo perto de expulsar os ingleses do Norte de África. O sucesso é garantido. O Marechal de Campo em pessoa vai dirigir o ataque. O discurso demorou uns dez minutos. Pareceu mais. Estávamos todos a pensar no mesmo. Ao mesmo tempo fora dada a ordem de mobilizar. O general já estava dentro do seu VolksWagen, eu dirigia-me para o meu Kublewagen. Todos os restantes veículos estavam já com os motores a rugir. Olhei para trás, e num semi-lagarta, Heinkl acenava-me, já de óculos na cara e mangas arregaçadas. Eu acenei-lhe de volta, desviei o olhar para o carro e estendi a mão até ao manipulo. Puxei-o e num guincho metálico, seguido de um baque a porta rodou nos eixos e eu pude sentar-me. Eu ia no lugar do pendura, a conduzir ia um jovem, o meu adjunto. Auxiliava-me em muitas coisas. Desde trabalhos de escritório a coisas de campo como equipar o carro e conduzi-lo.

Finalmente a coluna começou a mexer. À minha frente, o carro do general fazia com que as partículas de terra e areia saltassem para o capô do Kublewagen. durante toda a viagem ouvira as pedrinhas a bater na chapa.
Atrás de mim iam as motorizadas, que estouravam os timpanos das pessoas quando faziam subidas. Mais para trás encontravam-se os blindados, semi-lagartas, camiões de mantimentos e equipamento. A marcha começara lenta, mas pouco tempo depois entráramos numa zona em que a circulação era mais fácil, e podemos acelerar ao ponto de eu ter que fincar as unhas ao assento de modo a ficar no meu lugar, tais eram os solavancos.

Olhei em volta. Só conseguia ver deserto e mais deserto. Mas sabia de ver nos mapas que para Norte existia o mediterrâneo. E de facto viajávamos para Norte. Houve momentos em que ao longo da viajem me pareceu cheirar o mar. Talvez fosse imaginação, mas pelo facto de ter nascido nas costas do mar do norte conferia-me uma certeza de que realmente o mar não estava longe. Por um lado confortava-me, por outro deixava-me com um nó no estômago e de cada vez que pensava no que estava para acontecer um novo ardor pelo corpo fazia com que suasse abundantemente.
Rodei o tronco e olhei novamente para trás. Vi os tanques . Toda aquela tonelagem a mover-se pelas areias do deserto dava-me uma segurança estranha, uma segurança que eu sabia que não era infalível.


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